sábado, maio 27

"olha... dá-me um conto"




O outro, dei-to. Fazes dele o que assim quiseres. Este, é-nos oferecido.


Os olhos faíscavam-lhe de emoção. Como que possesso por uma força sobrenatural, ele cavava, cavava cada vez mais fundo, a eito, sem rumo. Encorpado por uma alegria infantil de quem come a sua primeira cereja ou recebe aquele beijo tremido de adolescente ou como quem pesca uma beata do pó do caminho e a fuma às escondidas. Cavava o homem no esplendor do seu regozijo enquanto elas começaram a sair sem que ele desse conta. Uma após outra, de mansinho no começo, com folguedo logo após. Pulavam e fugiam. Flutuavam ao seu redor , davam risadas de menina travessa e ele alheio a todo este esplendor.
"como pudera este utensílio ter estado resguardado todo este tempo?"
O suor toldava-lhe a visão, ardia-lhe a fantasia. "tem desígnios superiores, estou crente disso".
Até que a fadiga o começa a atingir e a sulcar-lhe a alma, a cavar-lhe olheiras profundas no seu propósito. E foi aí que as reparou. Demasiado tarde, todavia. Apercebeu-se da sua desregra e tentou alcançá-las, às ideias. As puras, as absolutas.
Na correria, no seu passo desordenado, nem se dá conta do estado em que leva a mente: côncava, escavada, vazia.
Reza a lenda que agora foi inventada, que, até hoje, nunca mais o homem foi o mesmo. Elas voltam, sim, lá de quando em vez regressam elas ao berço. Não para lhe dar tréguas, mas sim para que ele sofra cada vez mais com a lembrança da perda.



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